DIRETORES ASSOCIADOS

Angela Pieruccini
pieruccini@parceiros-consulting.com
Emmanual Gavache
gavache@parceiros-consulting.com

quarta-feira, maio 19, 2010

NEGOCIAÇÃO: QUAL O PESO DAS DIFERENÇAS CULTURAIS?




POR L.A. COSTACURTA JUNQUEIRA
CONTRIBUIÇÃO: FERNANDA BEATRIZ CASSÃO MISSERONI

Um executivo de construção civil canadense estava feliz por estar em Paris com sua filha que estudava francês na Sorbonne. Mais feliz, ainda, estava por ter acabado de negociar um contrato multimilionário com um potentado árabe. O jantar de comemoração estava em andamento. O canadense, como anfitrião, trouxe sua filha. O árabe entendeu tratar-se de um atraente presente. O acordo de negócios terminou, do lado canadense, com "os grosseiros avanços sexuais" feitos pelo árabe em relação à sua filha... Do lado árabe, o negócio acabou com o soco, nada convencional, que o canadense lhe aplicou no queixo.

Em Londres, um grupo de homens de negócios americanos estava tentando acertar um difícil problema com um grupo de ingleses, em uma mesa de conferência. Ambos os grupos estavam ficando exasperados com seus adversários. Os ingleses insistiam que o problema fosse "colocado na mesa". Os americanos, por sua vez, com igual ênfase se recusavam a fazê-lo. Só depois descobriram que em inglês londrino "to table" quer dizer discutir e agir sobre um problema, enquanto em inglês americano, que dizer adiar o problema...

Em Leningrado, um argentino, disposto a vender produtos agrícolas, foi levado a uma protocolar visita a monumentos da II. Guerra Mundial, antes de iniciar as negociações. Ele viu, ouviu e manifestou um interesse bem-educado. Depois que os russos esfriaram as negociações, por acaso descobriu que os estrangeiros devem manifestar inequívocos e profundos protestos de horror e solidariedade diante dos terríveis sofrimentos inflingidos aos russos durante a II. Guerra Mundial.

Estas estórias ilustram um ponto importante a ser aprendido por todo homem de negócios no âmbito internacional: a consciência das diferenças culturais pode ser a diferença entre o sucesso e o fracasso. O fracasso nessas estórias vem no fim.

O sucesso advém de uma consciência clara de como as outras pessoas pensam e agem no estabelecimento de relações de negócios, desde seu início.

Homens de negócios devem estar sintonizados para onde se manifestam as diferenças culturais e quais os seus efeitos no processo de negociação. Quando a negociação funciona, os dois lados ganham. Esta é a meta. Para que isso funcione no comércio internacional de hoje, o negociador bem sucedido é aquele que leva em conta os fatores culturais.

Diplomatas de carreira há muito reconhecem esses fatos. Harold Nicholseon, um grande político inglês, escreveu em seu livro "Diplomacia", em 1939, que "existem certos padrões de negociação que podem ser considerados permanentes e universais.
A par desses, entretanto, há notáveis diferenças causadas por caráter nacional, tradição e rituais".

Todo mundo acena sobriamente quando essa afirmação é citada, denotando uma compreensão dessa peça fundamental de sabedoria.

Praticamente, todos que atuam transculturalmente aceitam o acerto dessa proposta alternativa e equilibrada - há similaridades e há diferenças. Fundamentalmente, somos todos seres humanos, seja qual for nosso contexto cultural e como seres humanos temos certos padrões em comum, aplicáveis independentemente do tom que possam assumir as negociações. Por outro lado, há diferenças culturais significativas que trazemos conosco à mesa de negociação, e que afetam nossas atitudes e nossos procedimentos. Naturalmente ambos os lados desta verdade elementar devem ser considerados.

Mesmo o observador eventual "sabe", por exemplo, que à medida em que prosseguem as negociações, todos, independentemente das origens culturais, querem ser respeitados e levados a sério. Todos têm seus objetivos e querem vencer. Quase todos estão dispostos a fazer algumas concessões para alcançar acordos. As realidades transcendem às culturas. Mas o negociador inteligente também aceita as diferenças como parte do processo.

Ele "sabe" que um "alemão típico" tenderá a considerar a oferta de muitas opções como um sinal de fraqueza da outra parte. Ele "sabe" que um japonês "típico" coloca muita ênfase no status da pessoa com quem está negociando. Ele "sabe" que a amistosidade, a hospitalidade e a informalidade de um americano "típico" não têm nada a ver com sua maneira de conduzir uma negociação.

O negociador em contexto transcultural deve prestar atenção nas semelhanças, assim como nas diferenças. Decorre daí a pergunta crucial: como fazê-lo? Deve-se fazer um exaustivo estudo sócio-antropológico da cultura de seu oponente? Será que todo homem de negócios tem que fazer um curso universitário sobre os costumes de todas as nações do mundo? Não parece ser muito prático e, felizmente, não é de fato necessário que se o faça. O que é prático e necessário é uma compreensão do fenômeno e do processo da negociação. Deste modo terá um referencial, uma sistemática de trabalho que propicie uma visão das diferenças culturais à medida em que se evidenciam durante o processo da negociação. Este referencial emerge da própria definição de negociação.

Se a natureza e os passos no processo da negociação são conhecidos, há um arcabouço conceitual que denuncia as semelhanças e diferenças culturais presentes no comportamento dos negociadores, na medida em que ocorram em uma situação concreta.

Estabelecemos uma definição: "negociação é um processo através do qual duas ou mais facções que tenham interesses em comum e conflitantes expõem e discutem propostas explícitas acerca dos termos específicos para um possível acordo".

Resultam dessa definição quatro tópicos em que semelhanças e diferenças devem ser consideradas:

1. Interesses comuns.

2. Interesses conflitantes.

3. Discussão.

4. Acordo.

Os dois primeiros situam-se mais no nível das idéias. Os dois últimos estão mais no nível da ação.

Os negociadores de ambos os lados devem estar conscientes de seus próprios vieses culturais na medida em que possam surgir nesses quatro aspectos do processo. No mundo atual, simplesmente não é possível que seja apenas responsabilidade de alguém (seja quem for este alguém) manter-se sensível aos padrões culturais, de modo que apenas esse alguém possa "compreender" e se adaptar às maneiras "estranhas" dos outros. Deve haver uma reciprocidade entre as pessoas no pavor ou no encanto pela cultura do seu adversário.

A questão é mais abrangente. O negociador atual tem consciência dos aspectos culturais de sua origem, assim como dos de seu oponente. Se, de fato, sabe negociar, pode administrar essas diferenças na medida em que ocorram nos aspectos básicos da negociação.

Consideremos os dois tópicos no nível das idéias: interesses comuns e interesses conflitantes. Afinal, esta é a razão pela qual os negociadores estão à mesa. Ambos têm interesses comuns e conflitantes. A questão é se as diferenças culturais fazem tanta diferença quando interesses importantes estão em jogo.

Em geral, os interesses comuns transcendem às diferenças culturais e, até mesmo existem independentemente dessas diferenças. Os negociadores bem sucedidos identificam esses interesses em termos de senso comum. Eles se perguntam: " O que temos em comum nessa situação?" Eles sabem, no fundo de suas mentes e do processo de negociação, que esses interesses comuns são típicos: o objetivo de lucro, evitar problemas a longo prazo, fazer "boa figura" diante dos familiares, deixar as portas abertas para futuras negociações etc. Essas semelhanças são transculturais e os negociadores bem sucedidos não se esquecem delas.

Ninguém se prejudica por lembrar-se ou ser lembrado de que compartilha de alguns interesses com os outros - isso é humano. Pelo simples fato de que as partes envolvidas, por definição, não se sentem muito à vontade nas negociações transculturais, esses interesses comuns têm que ser considerados e reconhecidos. Dar-lhes a ênfase adequada e permanente é responsabilidade que tange aos parceiros em uma negociação.

Quando os interesses conflitantes são examinados, o negociador bem sucedido não só encara os pontos em conflito como continuamente se questiona sobre se sua origem é "normal" ou devido às diferenças culturais.

Devem-se esperar os conflitos normais acerca dos preços, controle de qualidade, prazos de entrega, planos de pagamento etc. A razão de sua presença é resolver esses problemas e atender aos interesses comuns.

Alguns conflitos de interesse podem surgir de diferenças culturais, o que ambos os negociadores devem ter em mente. O perigo está em localizar erradamente a origem desses conflitos.

Um fabricante ocidental de máquinas agrícolas, por exemplo, ao negociar com distribuidores indianos não deve presumir, gratuitamente, que o conflito é devido a questões de preço.

A ênfase do indiano na competição e na necessidade premente pode, muito possivelmente, derivar de uma visão do mundo, baseada em sua experiência cultural de escassez e limitação de recursos. O conflito de interesses, neste caso, pode ser mais uma questão de experiências culturais de escassez e de fartura, que uma questão de preço para cada um dos contendores.

Neste caso, como aliás na maioria dos casos de negociação, o requisito principal para o sucesso é a compreensão do ponto de vista do oponente. Devemos compreender claramente o modo de pensar e de agir de pessoas de diferentes países para que possamos distinguir as divergências verdadeiras daquelas que decorrem de entraves culturais. Em qualquer negociação, os conflitos de interesses podem ou não estar baseados em diferenças culturais.

Os outros dois pontos que decorrem da definição de negociação estão no nível de ação: discussão e acordo. Esses termos se referem às técnicas de negociação, à maximização dos interesses comuns e à minimização dos interesses conflitantes, de modo que a negociação resulte em ganho para ambos os parceiros.

Esses estágios de discussão e acordo são normalmente entendidos pelos negociadores em termos de quatro estágios em que na prática evolui uma negociação. Isso eqüivale a afirmar que, atualmente, quase todos os negociadores bem sucedidos devem entender (e entendem) que as ações de desenvolvem em quatro fases. Um entendimento compartilhado dessas fases, independentemente das origens culturais, é aquilo que os negociadores têm em comum. Esses quatro estágios são os seguintes: 1) Abertura; 2) Exploração; 3) Apresentação e 4) Clarificação, Ação final, Avaliação e Controle.

O que é culturalmente influenciado e, às vezes de muitos modos significativos, são as expectativas que os negociadores possam ter quanto à maneira "normal" de desenvolver o processo da negociação. A questão, que é responsabilidade de cada negociador, é verificar o que está ocorrendo em cada uma dessas quatro fases e as diferentes expectativas ligadas às diferenças culturais.

Na etapa de abertura (estabelecimento de uma relação pessoal adequada) os americanos, por exemplo, tendem a dispender muito menos tempo que os japoneses. Os japoneses têm a expectativa de que é normal dispender um tempo considerável e uma boa soma de dinheiro para estabelecer uma relação harmoniosa com aqueles com quem tencionam fazer negócios.

Alguns finlandeses tenderão a comportar-se de um modo muito formal e silencioso nessa fase e esperam que o relacionamento e a fase de exploração evoluam numa semana. Os russos são notórios por misturarem negócios (e apenas negócios) com vodka. Para os japoneses é normal perguntar muito e falar o mínimo, e esse mínimo é dito de maneira ambígua na fase de exploração. Eles tendem a firmar suas intenções à medida em que juntam as informações e ouvem as ofertas e propostas. Os alemães tendem a superestimar o entendimento técnico do parceiro, a serem mais diretos e francos nessa fase, o que, com freqüência, faz os japoneses sentirem-se mal.

Na fase de apresentação, pode parecer normal para muitos londrinos discordar abertamente na medida em que o oponente faça um esforço para moldá-los ou use técnicas agressivas - suas normas culturais estabelecem que o desacordo não atinge as relações pessoais e a persuasão agressiva é uma habilidade valorizada.

Os japoneses, que já deram ênfase à etapa anterior, procuram evitar confrontações, tendem a não requerer nem esperar persuasão e, muito provavelmente, manifestarão um considerável silêncio nessa fase.

Está claro que ninguém vai muito longe na negociação se tenta persuadir na base do estereótipo, confundindo o comportamento de vendedores de carros usados, antiquários e feirantes com uma negociação para valer.

Há, então, o estágio final - Clarificação, Ação final, Avaliação e Controle. Os americanos, por exemplo, tendem a pensar que é normal fazer concessões ao longo do processo, de modo que a ação final para eles tenda a constituir-se num sumário dos itens em que foram feitas concessões em termos de interesses conflitantes. Os japoneses tendem a fazer todas as concessões ao final do processo. Pode parecer aos outros que o acordo é feito de maneira abrupta e sem muita consistência. De modo diferente, os soviéticos, com freqüência, ouvem as concessões do outro e depois procuram adiar o acordo por acharem que o tempo, inevitavelmente, trabalha a seu favor. É uma aplicação prática da teoria do materialismo dialético, segundo a qual o adversário fará ainda mais concessões se houver uma demora significativa.

Quem está "certo" nessas ilustrações é algo que pode ser discutido eternamente - nunca haverá uma conclusão. O certo é que as pessoas de diferentes culturas têm diferentes expectativas sobre o que deva ser considerado comportamento normal na prática das várias fases do processo de negociação".

Flexibilidade e receptividade de um lado tendem a provocar sempre a reciprocidade no oponente.

O negociador ágil vê contrastar essas diferenças culturais com o processo de negociação em si. Quanto mais os parceiros conhecem o processo, tanto mais podem tornar-se, mutuamente, conscientes das diferenças culturais quando elas surgirem e, então, poderão lidar adequadamente com elas. O entendimento é o nosso objetivo.

Entender o processo de negociação. Estar alerta para as sutis diferenças. Os alemães usam a expressão: "Andere lande andere sitte" (cada terra tem seu uso). Os americanos preferem: "When in Rome, do as the Romans do" (Em Roma aja à maneira dos romanos).
Em negociação, justamente, aprende-se à maneira dos romanos, observando e ouvindo.

2 comentários:

  1. Minha única diferença de opinião com este artigo refere-se a preparação anterior para uma negociação transcultural.
    Nenhum negociador é um "superman", que consegue, no momento da negociação, apreender todas as diferenças culturais e ainda realizar o processo de negociação em si mesmo.
    Por isso vejo como fundamental, sem dúvida, um conhecimento prévio da cultura do país com quem vamos negociar, que obviamente não necessita ser um curso universitário, porém um estudo dos aspectos principais. Nesse caso, não teriam ocorrido os exemplos citados no início do texto, provas de um absoluto desconhecimento, e que não poderiam ser "adivinhados" durante a negociação.

    ResponderExcluir
  2. No âmbito internacional: a consciência das diferenças culturais pode ser a diferença entre o sucesso e o fracasso.

    Preparar-se antecipadamente é essencial e faz a “diferença” em qualquer negociação, principalmente nas multiculturais.

    Fernanda Beatriz Cassão Misseroni

    ResponderExcluir